Halloween, Samhain ou Dia de todo os Santos?


Lembro-me de ser pequena e ver nos filmes e séries anglo-saxónicas uma data em que os miúdos saíam de casa mascarados de bruxos e zombies, para pedir doces de porta em porta.
Por cá, lembro-me de ver as colegas da escola a “pedir pão por deus”, e de eu não as poder acompanhar porque não era baptizada nem ía à catequese.
Depressa aprendi que o Halloween e o Dia de todos os santos eram duas facetas de uma mesma celebração – o Samhain.
Sempre me interessei pelo estudo das religiões e pelas representações sociais a elas associadas – acho que a espiritualidade é algo inerente ao ser humano, sempre com o medo/fascínio pela morte em pano de fundo.
Confrontada com a dificuldade que tenho hoje em explicar aos meus filhos mais velhos, de uma geração completamente pró-consumismo do Halloween, apetece-me também falar aqui sobre o tema. Afinal, é uma data que tenho muita pena de ver por aí completamente descaracterizada e descontextualizada, aproveitada “à pressão” por professores de inglês que acham estar a dar uma lição de multiculturalismo aos seus alunos, quando na verdade estão a vender-lhes o conto do vigário…

O Samhain é uma das datas mais importantes do calendário pagão e marca duas coisas essenciais: o ano novo Celta e a festa dos mortos. Por toda a Grã-bretanha pagã esta data tem sido celebrada durante séculos. Acredita-se que na noite de 31 de outubro para 1 de novembro a divisão entre o mundo dos vivos e dos mortos é mais ténue, e é possível estabelecer contacto entre uns e outros. É o dia de lembrar os nossos mortos queridos, e o único dia do ano em que os espíritos daqueles que partiram poderiam voltar à terra e confraternizar com os vivos.
É um dia de reflexão sobre a mortalidade, e ao mesmo tempo de perceber que tudo na vida é efémero e passageiro. É preciso lidar com o passado para construir um futuro.
Também os druidas celebravam estada data, e acendiam gigantescas fogueiras sagradas para iluminar o caminho dos seus antepassados, e fazer leituras divinatórias nas suas labaredas.

Do outro lado do mundo, na América pré-colombiana, também havia um ritual semelhante.
Os Aztecas praticavam um ritual que parecia ridicularizar a morte, praticado pelos povos meso-americanos há mais de 3000 anos.
Era um dia para celebrar e honrar aqueles que tinham morrido, e onde eram exibidas como troféu as caveiras dos inimigos mortos. É preciso dizer que estes povos não concebiam a morte e a vida como dois estados diferentes – para eles eram complementares, e por isso celebrar os mortos era também uma maneira de celebrarem a vida.
Em comum com os rituais celtas, havia a crença de que os espíritos visitavam a terra durante esse ritual, e essa era a única noite do ano em que a fronteira entre vivos e mortos estava mais ténue e possível de ser transposta.

Depois chegaram os cristãos… quer a Inglaterra, quer mais tarde à américa latina.
E em ambos os sítios se depararam com festas e celebrações subversivas e perigosas, a que era urgente por cobro – a bem da decência e moralidade cristã, que não concebe um “mundo dos mortos” mas sim um céu e um inferno, ambos entidades estanques e sem qualquer contacto com o mundo dos vivos, a não ser através de Deus.
Então, no século VII o Papa Bonifácio IV designou o dia 1 de Novembro como o “dia de todos os santos”, um dia de honrar santos e mártires.
Esta foi uma prática comum da Igreja Católica ou longo dos tempos: substituir manifestações populares e pagãs por demonstrações previamente aprovadas pela Igreja. (ainda hoje em Portugal, os santos populares não são mais do que uma versão cristianizada de antigos rituais pagãos)

E assim, hoje em dia celebramos o dia de todos os santos ou dia de finados, um pouco por todas as sociedades católicas, que por cá até tem honras de feriado nacional, sem que muita gente saiba o que verdadeiramente deu origem a tais celebrações.

E pelas lojas vendem-se caveiras, morcegos, chapéus de bruxa e máscaras de zombie, que nada têm a ver com a história…

17 Comments

  1. Só faltou vc dizer que aqui no hemisfério sul o Samhain é comemorado dia 01/05,pois além de ser um festival pagão em homenagem aos mortos, ele acontece no auge do outono.O que ninguém sabe é que essa data que a igreja adotou é a data do ritual na Europa.No hemisfério sul,as estações estão em oposição,ou seja, quando lá é inverno, aqui é verão.Por isso Samhain acontece em maio e nós,bruxas,temos um grande apreço por essa data tão bela e significativa.

    Abraços e bençãos!

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  2. :) tão bem escrito!
    e acho óptimo explicares aos teus filhos a verdadeira origem das celebrações, ditas cristãs. tenho insistido para que uma amiga minha, que é educadora de infância, explique o mesmo às crianças (… mas em vão!)

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  3. Gostei de ler o post e concordar com o comentário da Fátima Ribeiro: dia 1=todos os santos, e dia 2= finados.
    Na creche do meu filho, fazem sempre algum trabalho manual para marcar as diferentes épocas do ano. O Halloween, não foi esquecido. Então os pequenos (sala de 1 ano) pintaram uma bruxinha com as mãos, e atrás vinha um texto (pela educadora) a explicar o porquê desta data. Achei muito bom.
    E agora confirmo-o também com o teu post.
    Obrigada!
    MJ

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  4. Esta importação de halloween é uma verdadeira porcaria aproveitada por adolescentes para festejar um segundo carnaval atirando balões de água, ovos e outras porcarias que tais, simplesmente porque estão a festejar uma coisa que não lhes diz nada, não sabem o que é, nem por que se festeja. É Festa e pronto, e os pais compram as abóboras e as máscaras também sem saberem porquê, só porque sim, então se toda a gente faz…….Eu também investiguei porque eu própria não sabia bem o que era, e os meus filhos ainda são pequenos. Mas é pena que um país inteiro importe uma festa, a festeje sem saber porquê, irra!! Gostei da tua explicação.

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  5. Não teria escrito melhor. Na minha terra ainda vamos ao Pão por Deus. Este foi o segundo ano que o meu Manel foi. Felismente aqui ainda é visto como uma brincadeira onde várias crianças se juntam e cprrem as ruas todas, e não se chateiam se recebem romãs, figos, nozes ou rebuçados.
    Pela primeira vez brincámos ao Halloween. Foi mais a parte de, em família, fazer decorações: aproveitar a abóbora e fazer a lanterna, transformar as formas dos alimentos das refeições, para parecerem assustadores ou praticar a morticidade criando efeites para o dia :)
    Acho que o essencial é aproveitar estar com quem gostamos e lembrar sempre quem gostariamos de ter ao nosso lado, tal como os nossos antepassados faziam, quer antes ou depois dos católicos romanos.

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  6. Parabéns pelo post. No entanto, sinto-me na obrigação de corrigir um erro que persiste… o dia 1 de Novembro é, de facto, o Dia de Todos os Santos, mas nada tem a ver com o Dia dos Finados que é precisamente no dia seguinte, 2 de Novembro. O que se passa é que o dia 1 por ser feriado é aproveitado pela população em geral para visitar os entes queridos ao cemitério; por sua vez, as lojas de flores e as floristas de rua aproveitam esta situação no feriado – daí vermos num dia em que a maior parte das lojas estão fechadas, mas as floristas não ;-). Creio que em breve, o Dia dos Finados passará oficialmente para o dia 1 de Novembro, pois cada vez menos gente sabe que é no dia seguinte…

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  7. Ora aqui está um texto muito bem escrito e pormenorizado!
    Para mim, que nasci e vivi sempre em Lisboa, durante muitos anos este “dia de todos os santos” ou “de finados” era o dia em que as pessoas mais velhas iam visitar os cemitérios e colocar flores nas campas dos familiares que tinham falecido. Quanto ao “Halloween” só o “conhecia” daquela maneira pelos filmes norte-americanos e não ligava uma coisa à outra.
    Só muito mais tarde soube da celebração pagâ dos celtas em França, Irlanda e Inglaterra e que afinal todas estas diferentes manifestações têm como origem a festa pagâ dos celtas.

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  8. Olá
    Quando era pequena fui inúmeras vezes pedir os santinhos com o meu taleiguinho, apesar de também não ser baptizada e nunca ter frequentado a catequese. Nunca senti esta celebração como religiosa, senão tinha fugido a sete pés :D
    Na aldeia onde vivo a tradição ainda se mantém, todas as crianças andam de casa em casa, eu adoro, é uma festa!
    Parabéns pelo post, gostei de saber mais sobre o Samhain, mais uma festa pagã que a igreja “aproveitou”, no fundo, todas as nossas celebrações têm por base os ciclos da vida e da natureza!

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