do cinema

Nos anos 90 os cineclubes começaram a receber uma espécie de sentença de morte anunciada. A internet e sua galopante omnipresença fizeram com que os filmes, através de downloads mais ou menos legais, pudessem estar ao alcance daqueles que os queriam ver. Hoje, isso é mais do que uma realidade consumada e qualquer pessoa, se assim o desejar, pode descarregar toda uma série de filmes, sejam eles clássicos do cinema ou grandes blockbusters de hollywood.
Por outro lado, as salas de cinema tornaram-se verdadeiras catedrais do consumismo e da pipoca, e não há cidade no país que não tenha o seu shopping com pelo menos meia dúzia de salas. Para ajudar ainda mais à festa, as grandes superfícies vendem filmes com qualidade para todos os gostos, a preços que não pagam sequer o custo da impressão do DVD e respectiva capa.
Neste cenário, a ameaça de morte aos cineclubes deixava de ser uma hipótese e colocava-se como ma evidência.
No entanto, contra todas as expectativas, os cineclubes em actividade não só viram os seus espectadores a aumentar de número, como muitos outros, como é o caso se Santarém, com mais de 50 anos de história, retomaram a sua actividade.
Afinal, em que é que ficamos? Os cineclubes morreram ou não?
Claro que não.
A questão do cinema, e da sua verdadeira acessibilidade a todos, é bastante complexa e não se resume a downloads e dvd´s a 2 euros….

O primeiro e principal problema, que impede o cinema de chegar a quem o quer ver, começa na distribuição.
As distribuidoras nacionais não olham para os cineclubes como um meio privilegiado de exibição, e preferem, na sua larga maioria continuar a apostar nas salas comerciais, mesmo que para isso tenham de pagar para exibir os seus filmes. Aos cineclubes, exigem fundos de que estes não dispõe, desenvolvendo estes uma actividade não-lucrativa e de índole cultural.

Depois temos o público, o factor com maior peso nesta equação, mas que no entanto é ignorado.
Há todo um publico maioritário, que se está nas tintas para o que vai ver. Das duas uma: ou vai ver um filme para o qual foi sugestionado pela publicidade maciça, ou vai ver o que calhar. Não tem opinião crítica, não quer pensar, e vai ao cinema como se estivesse  em casa a ver a novela: passar um bom bocado de puro entretenimento. Nada de mal, assim o restante público fosse tratado com a mesma deferência que este. Porque sim, há outro público. Há o público que gosta verdadeiramente de cinema e que sabe o que quer ver. Esse público não encontra eco da sua procura nas salas comerciais.

Depois do público, há ainda a questão dos realizadores. Nenhum realizador faz filmes para ficarem na gaveta. O processo de produção de um filme só fica completo quando este é exibido e visto pelo público. E também os realizadores têm as suas dificuldades em fazer chegar as suas obras a um público vasto, ainda mais se a sua obra exigir algum raciocínio crítico por parte do espectador, não sendo meras obras de entretenimento.

Então, qual é afinal o papel dos cineclubes no meio de toda esta panóplia de interesses?
É tão somente trazer o cinema às pessoas que o querem ver. Mostrar os filmes que não estão na internet, nas salas comerciais, nem à venda nas grandes superfícies. Democratizar o cinema e promover o espírito crítico de quem assiste.
Na minha opinião, são a peça fundamental de uma exibição e distribuição de qualidade, e são ao mesmo tempo o elo mais fraco de toda a cadeia.

“O Cineclubes Portugueses estão bem e recomendam-se. No mínimo são óptimos programadores de cinema, e muitos deles formadores criadores e difusores de outras artes como a fotografia, a literatura e a música.
Tudo isto devido ao trabalho incessante de pessoas que, para além das suas vida profissional, despendem horas a organizar actividades que crêm ser o melhor modo de desenvolver culturalmente a região onde estão inseridos, mostrando outros mundos:
Ingenuamente pensamos ser possível
Teimosamente pensamos ser possível
Momentaneamente vivemos essa possibilidade
Conscientemente crescemos com essa possibilidade
Admiravelmente vêm dizer-nos que conseguimos”
(Editorial do nº 41 da Revista da Federação Portuguesa de Cineclubes)

Completamente a propósito: começou hoje a 4ª edição do DocLisboa, com mais de 200 filmes em exibição, 40 deles portugueses.
Depois do Doc, onde é que se podem ver esses filmes? Certamente que não numa sala do centro comercial mais próximo. Mas quase de certeza que alguns deles poderão ser vistos num Cineclube perto de cada um.
É preciso dizer mais?…

2 Comments

  1. Na minha cidade aqui no Brasil tinha 3 cineclubes. O meu favorito, que tinha livraria e um café acabou fechando.
    Uma pena. Fiquei muito triste na epóca!
    bjo

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  2. Lamentavelmente a questão do cinema em Portugal é bastante mais complexa ainda!
    Sem dúvida que os cineclubes têm um papel preponderante na formação de publico e programação de espaços culturais.
    É preciso é que as distribuidoras vejam isso de uma vez por todas…

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