variações em verde

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o meu mais recente trabalho é fruto dos meses de verão.
comecei a pensar nele por volta da primavera, fiz várias experiências e desenhei-o no princípio do verão e terminei-o agora mesmo, no início do outono.

há sempre um trabalho destes, de longo prazo, na minha mesa de trabalho. é a esses trabalhos que recorro quando preciso de me afastar de outros, que não estão a correr como esperava, ou que me estão a cansar, ou mesmo quando preciso apenas de desanuviar a fazer outra coisa diferente para descomprimir.

vou partilhar convosco todo o processo, do princípio ao fim, e aproveitar para falar um pouco acerca de cópias e originais, nomeadamente, cópias no trabalho artístico…

mas vamos por partes.
no início do ano fiquei impressionada com o “quilt of the month” do Modern Quilt Guild, da autoria de Jenn Nevitt. (essa informação apenas está disponível para membros, o que é o meu caso, por isso não consigo fazer o link direto, mas podem ver o trabalho aqui)

raramente sigo um “quilt pattern”, mas quando o faço gosto sempre de o adaptar.
gosto muito de ver o trabalho de outras quilters do mundo inteiro, e de olhar para os esquemas: é uma ferramenta útil para posteriores trabalhos, e até para aprender a pôr no papel as ideias que vou tendo. espero um dia ter ferramentas e competências para disponibilizar os meus própios esquemas.

também acho que não há verdadeiramente um trabalho “criativo” quando se copia ipsis verbis um esquema. claro que há toda uma série de competências técnicas necessárias para o conseguir fazer, e há sempre a possibilidade de dar um cunho pessoal, nomeadamente através das escolhas de tecidos, mas acho que é um trabalho mais limitador do que criar uma coisa nova de raiz.

há muita gente, dos mais variados quadrantes criativos, que se queixa frequentemente de ser copiado. não comento casos concretos, mas respeito essas queixas. é realmente inglório sentir que alguém se apropriou do nosso trabalho, usurpando as nossas ideias que cremos sempre serem únicas e originais.

mas a verdade é que ninguém cria verdadeiramente algo completamente novo. principalmente no mundo em que todos vivemos, a informação viaja à velocidade da luz e as imagens circulam livremente sem amarras, sendo praticamente impossível perceber os caminhos que percorrem e o rasto que vão deixando à sua passagem.
a inspiração pode vir das mais diversas fontes e nem sempre o próprio as consegue identificar.

claro que há trabalhos que são cópias descaradas de outros, não deixando grande margem para dúvidas, mas há várias linhas bastante ténues, que são muito fáceis de serem ultrapassadas.

já várias vezes vi trabalhos meus serem copiados (ou imitados, como queiram chamar) e nunca fiz alarde disso, por muito transtornada que tenha ficado. a verdade é que não há verdadeiramente nada que eu possa reclamar como exclusivamente meu… todo o meu trabalho, enquanto patchworker, é baseado no trabalho que alguém fez antes de mim. os blocos de patchwork, pelo menos os mais tradicionais e que servem de base a inúmeros trabalhos, não são propriedade de ninguém, são património cultural e coletivo. claro que juntar determinado bloco com outro é uma escolha pessoal e criativa de quem o faz, mas quem nos diz a nós que nunca houve outra pessoa que o fez?…

é certo que as escolhas de tecidos também jogam um papel fundamental em tornar único um padrão recorrente. mas, também aí, é impossível estabelecer uma fronteira clara: os tecidos são de venda livre (a não ser que se façam as próprias ilustrações, o tem vindo a ser cada vez mais popularizado em plataformas como o spoonflower e outras) e por isso cada pessoa é livre de usar os tecidos que bem entender, e ninguém pode reinvindicar para si a autoria de determinada conjugação.

tudo isto para dizer que, embora nunca me tenha manifestado publicamente relativamente a estes assuntos, abordo-os com frequência nas minhas aulas, exortando os alunos a criarem as suas próprias combinações, sem se sentirem reféns daquilo que gostam, porque parece sempre mais fácil copiar algo de que se gosta do que criar de novo de raiz.

voltando ao tema dos esquemas, e ao início deste post: resolvi então fazer a minha abordagem ao conceito do esquema que encontrei. deitei mãos à obra e comecei pelo desenho…

IMG-3333

o primeiro esquema que fiz foi este. como podem perceber, trata-se de uma série de blocos hourglass que vão aumentando para o dobro do tamanho.
em comum com o esquema que encontrei e gostei tem essa característica (cada “painel” de blocos aumenta para o dobro do tamanho), mas tudo o mais é diferente: no esquema inicial são half-square triangles e no meu são hourglass, no esquema inicial são cores aleatórias, no meu há uma “base” de verde em cada bloco. última diferença a assinalar: no esquema original o trabalho final é quadrado, no meu é retangular (esta diferença não é de somenos importância, porque implica outro tipo de cálculos para que a peça final mantenha as proporções).

posto isto, passei às cores.
uma coisa era certa, desde o início: o verde seria a cor dominante. a minha ideia original era transmitir a ideia de flores, no campo… o verde seria, digamos, a relva, e as cores seriam flores primaveris a pintalgar a paisagem.
peguei nas amostras de tecidos sólidos e na caixa de lápis de cor e deitei mãos à obra:

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usei um total de 17 cores diferentes além do verde-base, embora no painel central apenas tenha usado 8 cores, 16 no intermédio e 17 no maior. (e todas vieram da seleção de sólidos da Ponta da Agulha)

depois, foi preciso alguns dias de trabalho para cortar e organizar tudo, e fazer testes de tamanho e cálculos de proporções. a organização do trabalho é fundamental para um resultado final satisfatório, nunca se esqueçam disso!

finalmente, depois de tudo organizado e de todos os blocos feitos, foi altura de começar a montar a peça na parede de trabalho:

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primeiro fiz o painel central e depois fui avançando para as outras “camadas”.
nos entretantos, fiz várias brincadeiras e experiências a preto e branco, para perceber melhor a distribuição de cores claras e escuras:

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finalmente, umas quantas semanas depois de montados todos os blocos, foi tempo de deitar mãos ao trabalho mais penoso e demorado: acolchoar.

correu bastante melhor do que esperado, dadas as dimensões da peça, e depois de 2 dias sem crianças em casa, dei o trabalho por terminado.

o resultado é o que partilho hoje convosco:

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(não sei responder se me perguntarem quantas horas de trabalho aqui estão, mas garanto-vos que são muitas. mas todas elas foram feitas com muita energia, entrega e amor àquilo que fazia.)

na parte de trás usei o mesmo tecido verde (que é um lençol que comprei cá para casa, mas depois não gostei de ver e ficou guardado para usar em patchwork) e juntei um tecido de árvores com fundo verde do Kaffe Fassett, que tenho há muitos anos, esta era a última peça de tecido que sobrou de um rolo inteiro.
no debrum um padrão muito bonito da Carrie Bloomston que comprei de propósito na Ponta da Agulha para este trabalho.

L1210525L1210540

o pesponto é feito com linha verde, ligeiramente mais escura do que o verde principal, mas dentro do mesmo tom, e optei por fazer um pesponto simples, riscado, com cerca de 3 cm de espaçamento.
na estatística desta peça posso-vos dizer que, desde a construção dos blocos aos acabamentos finais, usei 1,5km de linha (1 carrinho e meio).

L1210522L1210531

são 162 blocos de tecido, compostos por 648 triângulos.

é um trabalho que começou na primavera, foi feito durante o verão e terminado no início do outono.

foi um exercício de criatividade, livremente inspirado numa criação feita por outra pessoa. com toda a humildade.

espero que gostem tanto dele quanto eu <3

finalmente, desejo que vos traga inspiração para fazer melhor e, acima de tudo, diferente.

L1210510

> está disponível na loja.

 

2 Comments

  1. Gostar, gosto, é claro!, mas fiquei exausta com a descrição do trabalho, nunca faria nada semelhante por absoluta incapacidade de mãos e paciência para tanto pormenor
    de certeza que me enganava nos cálculos e o modelo tornar-se-ia numa pseudo cópia de um quadro absolutamente abstrato, já para não falar em cores que, todos dizem, confundo os azuis e verdes e também amarelos, laranjas, rosas, salmão , vermelhos… por isso me defendo com cores neutras e suaves muitas vezes, outras misturo tudo, e fé em deus!
    (mais uma vez parabéns – por todo esse trabalho está bem barato -aliás como todos os seus trabalhos, quando comparados com outros…)

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