as mulheres do meu país

é inevitável, e todos os 8 de março este livro tem de sair da prateleira.
se houver uma, pelo menos uma pessoa que não o conhecia e passa a tomar conhecimento do livro maior do feminismo português, já sinto a missão cumprida.

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“O desejo de conhecer, em todos os seus aspectos, a vida da mulher portuguesa, surgiu no meu cérebro e no meu coração há muitos anos. Foi quando eu própria me encontrei na encruzilhada onde é forçoso escolher um caminho, e me reconheci sem preparação para a luta, nem outra bússola que não fosse a minha sinceridade e a minha responsabilidade de mãe. Eu não podia avaliar, então, como era vasto e profundo este problema (…)

Olhei à minha volta e comecei a reparar melhor nas outras mulheres: umas resignadas e heróicas na sua coragem silenciosa; outras indiferentes, entorpecidas; e ainda aquelas que fazem do seu luxo a exibição de um privilégio (…). Fui ao encontro das minhas irmãs portuguesas, procurei conhecer e sentir as suas vidas humildes ou desafogadas, as suas aspirações ou a sua falta de aspirações, sintoma alarmante de ignorância, desinteresse e derrota.

Analisar as causas e efeitos que influenciam na mentalidade e no destino das nossas mulheres, é tarefa que excede as possibilidades de um trabalho individual. Mas basta contar como elas vivem e sonham e lutam e sofrem, para que o grande problema se revele no seu profundo e dramático sentido humano. Nada mais do que um documentário vivo e sincero: visões da nossa paisagem, aldeias e cidades, como cenário; mulheres de todas as condições, no seu labor, seus trajes característicos, sua índole e costumes, suas alegrias e tormentos (…).

Assim foi escrito este livro, que é uma expressão de fraternal solidariedade com as mulheres do meu País. Se ele abalar a indiferença, ou antes, a ironia com que os portugueses usam encarar os problemas femininos, e alguém estender a mão, firmemente, às grandes sacrificadas, vitimas milenárias de erros milenários, que, apesar de tudo, continuam a ser as obreiras da vida, bem pequenos foram, afinal, os incalculáveis esforços, fadigas e obstáculos vencidos, que a sua publicação representa.“

[ Excerto retirado da introdução à primeira edição de “As Mulheres do meu País”, por Maria Lamas, 1948 ]

--maria-lamas fotografada por Alfredo Cunha
(fotografia de Alfredo Cunha)

>> e, se ainda acham que o dia como o de hoje não faz sentido nenhum, ou que é uma boa oportunidade de negócios, de ofertas e de promoções, não se esqueçam que no ano passado, 2017, em pleno séc.XXI, houve um juiz português, no âmbito de um caso de violência doméstica, que escreveu “o adultério da mulher é um atentado à honra do homem” e que um deputado do parlamento europeu disse, em plenário, que “as mulheres são mais fracas, mais pequenas e menos inteligentes do que os homens e por isso devem ganhar menos”.e também não se esqueçam que, em Portugal, apesar de terem mais qualificações, as mulheres ganham em média menos 16,7% do que os homens, o que significa que têm de trabalhar mais dois meses por ano, como revela a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.

2 Comments

  1. adoro esta entrada, se calhar já o escrevi mas, na minha idade já se perdoam as repetições – este livro estava em casa dos meus pais numa prateleira e eu, quando comecei a ler, lia sempre “as mulheres do meu pais” e achava que era um erro ou seria as “mulheres do meu pai”- uma coisa e outra fazia uma confusão enorme até ganhar coragem e perguntar ao meu pai :) infelizmente esse livro não me calhou… ficou com a minha irmã do meio.

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