Semana Mundial pelo Parto Respeitado – Modelos de Assistência

Em Portugal, não é costume perguntar-se a uma mulher onde vai ser o parto, porque a resposta óbvia e esperada é “no hospital, onde é que havia de ser?!”

Assim, como é perfeitamente comum e habitual que as consultas pré-natais sejam feitas com um médico obstetra, ou quanto muito com o médico de família em complemento com este.
Na verdade, e como já aqui disse tantas vezes, não há escolha possível e a palavra “escolha” é algo que não existe sequer no vocabulário de uma grávida no que ao seu parto diz respeito…
Quanto muito a “escolha” é entre um Hospital privado ou uma maternidade/Hospital do Serviço Nacional de Saúde, sendo que as utentes/parturientes das unidades de saúde privada aumentaram exponencialmente na última década, quer pela oferta alargada de seguros de saúde que cobrem este tipo de serviços, quer por haver uma certa crença de que ao pagarem serão “tratadas de forma melhor”.
Em relação às poucas que optam por um parto em casa (cerca de 1% segundo as estatísticas, mas creio que sejam à volta de 5%) são tratadas como marginais pelos serviços de saúde, desencorajando-as acerrimamente dessa ideia, muitas vezes sem sequer tentarem perceber as suas motivações.
O que acaba por acontecer é que estas mulheres se vêm sozinhas, sem saberem a quem recorrer para as ajudar a ter o parto que querem e merecem em segurança, e sem qualquer tipo de apoio por parte dos cuidados de saúde. Das poucas que ainda assim decidem avançar com o seu desejo, muitas omitem da família e amigos a sua opção, com medo de sofrerem o mesmo tipo de pressão e censura que sentiram nos serviços de saúde.
Escusado será dizer que esta situação de marginalidade do parto em casa não tem diminuído a sua ocorrência, sendo certo que há cada vez mais mulheres a considerarem esta opção, e esta situação de marginalidade acaba por afastar estas pessoas dos cuidados de saúde.
Ao fechar os olhos a esta realidade, como tem acontecido quer com políticos e governantes, quer com a classe médica em geral, está a abrir-se espaço para um mercado obscuro e sem regras, onde felizmente tem prevalecido o bom-senso dos intervenientes (casais conscientes das suas opções e parteiras estrangeiras com largos anos de experiência lá fora e neste momento a trabalharem no nosso país…) para evitar que surjam situações graves.

E como é que se passa nos outros países da Europa?

Não é preciso ir mais longe do que Espanha, que sendo um país ainda a dar os primeiros passos na Humanização do parto, já tem várias hipóteses de escolha, em segurança, disponíveis.
São apenas uma meia dúzia para um território tão vasto, mas fazem a diferença em relação a Portugal, onde nem meia dúzia de hipóteses existem.
Já há vários casais a ir a Espanha para o nascimento dos seus filhos, não se importando de pagar todos os custos associados, para que os seus partos ocorram na Clínica Acuário, na Cooperativa Tascó, no Centro Marenostrum ou na belíssima “casa de parto” Migjorn.
O grande problema de Espanha, tal como em Portugal, é que a grande maioria dos partos ocorrem em ambiente hospitalar e são altamente intervencionados e mecanizados. Assim como nenhuma destas escolhas “alternativas” é comparticipada quer pelo serviço nacional de saúde, quer pelos seguros privados de saúde.
Não obstante, a abertura protocolar dos médicos já vai sendo maior em Espanha, onde em 2007 a Sociedade Espanhola de Ginecologia e Obstetrícia já publicou recomendações onde se pode ler que “a intimidade do parto tem vindo a ser perdida à medida que este se torna um processo mais técnico” e coloca a ênfase dos serviços na não intervenção deste processo natural e fisiológico, a não ser quando realmente necessário.

Já em Inglaterra a palavra “escolha” está presente em todos os documentos oficiais de prestação de cuidados pré-natais…
O Serviço Nacional de Saúde Britânico não só tem várias opções disponíveis para o tipo de acompanhamento pretendido durante a gravidez, como para o local onde se realizará o parto. E encoraja realmente as mulheres/casais a fazerem as suas escolhas de forma consciente, informada e ponderada. O serviço está organizado para ser seguro e flexível, respeitando as escolhas e necessidades individuais de cada mulher.
Uma das ferramentas que incitam a esta escolha/reponsabilização é uma publicação anual do NHS: “The pregnancy Book“. Não só é de distribuição gratuita, como é uma ferramenta muito útil e completa, escrita de forma acessível de forma a poder ser inteligida por qualquer pessoa.
No capítulo 4 “Deciding where to have your baby“, ficamos a saber que em Inglaterra há basicamente 3 opções:
– Parto em casa;
– Numa casa de Parto, ou unidade de saúde, sob os cuidados de uma parteira;
– No Hospital ou Maternidade Central, sob os cuidados de uma equipa técnica pluridisciplinar, incluindo parteiras, enfermeiros, anestesistas e obstetras.
Qualquer que seja a escolha da mulher, ela sabe que será atendida por profissionais treinados e devidamente qualificados.
Para a ajudar nessa escolha, é fornecida TODA a informação relativamente aos procedimentos possíveis em cada um dos cenários, e incentivam-se as mulheres a fazerem perguntas e considerarem cenários hipotéticos.
Trata-se de um modelo de assistência baseado na responsabilização das utentes, fazendo-as sentirem-se verdadeiramente protagonista de um momento único das suas vidas.

Para Portugal gostaria de preconizar um modelo de assistência semelhante, e principalmente a criação das chamadas “casas de parto” ou pequenas unidades de assistência ao parto, para que houvesse abertura a que o parto fosse vivido de forma mais saudável e participativa.
Mas para que essa mudança ocorra, é preciso primeiro mudar mentalidades…

5 Comments

  1. A beautifully clear and informative post about the right to choose. You always clarify the “cerne de questao”!

    And although the British scenario is quite pretty on paper, the practice falls behind. There aren’t enough mid-wives to offer the options, and nor are they being trained. But at least the mentality, and theory, are there.

    I hope your voice and efforts will eventually bear fruit and bring changes.
    bjo

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  2. Rita,
    Obrigada pelos teus textos durante esta semana, sempre tão claros e concisos. É sempre um prazer ler-te e nestes temas então…uma maravilha!
    Um beijinho,
    Patrícia

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  3. Pois na minha modesta opinião, este tema será tão delicado como outros tantos…
    No meu entender o maior problema é que a comunidade médica (perdoem-me a honrosa minoria que não se inclui neste caso), está demasiado apegada ao pretenso poder que têm, ou que pensam ter, só pelo facto de ter um DR. antes do nome.
    Parece-me que os valores estão algo distorcidos, dá-se mais importância a números e estatísticas do que à qualidade do serviço prestado, entenda-se serviço humano. As maternidades são linhas de montagem, com normas e regras tão herméticas como por vezes despropositadas…

    Creio convictamente que desde que não haja sintomas ou sinais de complicações durante a gravidez, deveria ser dada às mulheres toda a liberdade de escolher ter o parto que desejem, da forma e no local que desejem.

    A Lei Inglesa seria um bom exemplo a seguir.

    Obrigado Rita pelo teu trabalho e pelo teu testemunho!

    Um Pai preocupado com o futuro dos seus filhos, como eu, não pode ficar indiferente a uma questão tão sensível e tão importante para a vida de qualquer ser humano, como é este, do parto, do nascimento do seu filho(a).
    Não se devia resumir esta discussão ao número de óbitos no parto, mas sim à qualidade da assistência prestada numa situação que é tão natural e fisiológica como respirar!

    Um abraço! e Desejos de bom trabalho.

    JS

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  4. E que tal se compilasses um pouco mais toda esta informação que tens espalhada pelos posts da “humanização do parto”?

    Eu sei que existem sites especializados, e etc, mas os teus posts são úteis porque tens uma opinião bastante equilibrada e porque, como escreves em formato blog, os teus textos vão respondendo às dúvidas que surgem nos comentários.

    Só faltava mesmo a informação estar estruturada para quem aqui chega pela primeira vez conseguir ter uma visão geral adequada desta temática.

    (digo eu, que quando tenho uma amiga grávida gostava de lhe indicar um bom site para ler de fio a pavio e tirar as próprias conclusões, mas informadas)

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