25 de Abril. Memória-chave do povo português ou apenas mais uma efeméride solenemente comemorada?
O 25 de Abril é para mim uma memória afectiva.
Nasci depois da data, já fruto da Liberdade, mas o fervor dela nunca me largou. As suas cores, os seus símbolos e sobretudo as suas músicas fazem parte do meu imaginário pessoal desde que me lembro. A memória dos que lutaram na clandestinidade, dos que perderam a vida por serem opositores ao regime, a memória dos portugueses miseráveis, analfabetos e infelizes, fruto de um podre Estado-Novo.
Sinto, hoje como sempre, a revolta dos que sofriam ao ver o país a definhar, sem nada poderem fazer.
Sinto, hoje como sempre, o desespero dos que sofriam nas garras da PIDE.
Sinto, hoje como sempre, a tristeza e desolação daqueles que trabalhavam de sol a sol e não tinham o que comer nem dar aos filhos.
Sinto, hoje como sempre, a mágoa daqueles que perderam familiares e amigos numa guerra colonial injusta e injustificada.
Era este o país que tínhamos há não muito tempo: 33 anos.
E já ninguém se lembra.
Já ninguém se quer lembrar.
Já ninguém se lembra que Portugal era um país órfão de músicos, poetas, artistas, escritores, intelectuais, pensadores… Todos eles exilado e calados pelo regime.
Que Portugal era um país claustrofóbico, onde não se respirava em sossego, onde até os pensamentos podiam ser fatais.
E é esta a memória que já não vejo à minha volta, passados 33 anos. Nem nos que fizeram parte da data, nem dos que como eu vieram depois dela. Vejo sim uma solene comemoração, como que se de uma obrigação se tratasse. Como se fosse apenas uma data repetida no calendário, sem já qualquer cheiro a cravo…
A nossa revolução foi das mais bonitas manifestações do séc.XX. Um acto corajoso, solidário, humilde e popular. Foi a história dos militares que libertaram o povo, e de um povo soube recebê-la, sedento que estava, sem qualquer violência. Caso único na história: uma revolução onde se derramaram cravos e não sangue.
Para mim a memória do 25 de Abril está e estará sempre presente: a Liberdade é o maior dos bens, a grande conquista dos povos. Portugal viveu meio século no obscurantismo, na pobreza, na miséria, na penumbra do mundo. Ainda hoje, passados 33 anos da revolução, percebemos as repercussões que esta miséria deixou ao país.
Comemorar o 25 de Abril é comemorar o renascimento de Portugal, é celebrar o primeiro dia do resto da nossa história. Mas sem nunca esquecer o que ficou para trás, porque ao branquearmos a memória, estamos a abrir caminho ao obscurantismo.
Comemorar Abril é nunca esquecer aqueles que se debateram e deram a vida pela Liberdade, para que possamos honrar a sua memória construindo em cada dia a Liberdade, Igualdade e Solidariedade à nossa volta.
Para que sejam esses os valores das gerações futuras. Para que eles, os nossos filhos, não tenham de sofrer os que sofreram os seus avós. Para que eles, os nossos filhos, não se esqueçam.
Ontem deixei aqui a senha e a contra-senha. Hoje deixo outra das minhas músicas de Abril, fruto da arte e engenho de outro dos oprimidos do regime, Fernando Lopes Graça.
Acordai!
Pois é não houve violência, mas encheram as prisões e criaram drmáticas situações com milhares de retornados das colónias!
GostarGostar
Obrigado, Rita, por proporcionares a audição desta fantástica música do Lopes Graça. É uma das coisas mais arrebatadoras jamais feita.
GostarGostar
Lindo. Eu fiquei um pouco comovida..
GostarGostar
A memória do 25 de Abril e a consciência de que a liberdade não é um dado adquirido. É uma conquista diária, mais ou menos difícil. É importante que o saibam, para que não a deixem ser-lhes roubada.
(sentimos e ouvimos as mesmas coisas). :)
GostarGostar
Um texto muito bonito e acertado!
Ainda há muita gente que comemora de forma emocionada (pelo menos que eu conheça). Os outros caíram na rotina de quem tem as coisas dadas como certas. Ainda outros…bem… esses nunca celebraram. Talvez já se sentissem livres.
GostarGostar
Do nosso 25 de Abril orgulho-me especialmente do seu carácter não violento.
São belíssimas e eternas as imagens das armas com cravos nos canos.
Entretanto, quanto ao esquecimento, deverá ser ele que justifica que um bando de telespectadores tenham elegido o Salazar como o maior português de sempre.
Como é possível?!!!
GostarGostar