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no fim-de-semana que acabou de passar fui fazer umas mini-férias. se nas férias com as crianças os tempos são outros, desta vez estava a precisar do meu tempo: ir para a praia a qualquer hora, ficar ou sair conforme a disposição, passear sem destino nem propósito, ler sem interrupções.
antes de partir, a poesia de Sophia tropeçou-me na memória. é certo que conheço bem a sua obra, é a minha poeta portuguesa favorita, e sei bem da sua passagem pelo Algarve, especialmente em Lagos, que tanto marcou a sua escrita.
desta vez, resolvi (re)visitar Lagos pelos olhos de Sophia, com a sua poesia a mostrar-me os lugares e as coisas.
cresci no algarve. não como sítio apenas de férias, mas como fazendo parte da terra – era lá que vivia parte da minha família e é lá que estão também as minhas raízes. para mim, ir “à terra” era ir ao algarve, visitar os avós e uma quantidade imensa de primos e primas.
mas se o algarve da minha infância já não existe, principalmente na malha urbana, mais desaparecido está o algarve de Sophia. mas o exercício era transcender essa frustração de olhar para um sítio e sentir tristeza por vê-lo descaracterizado em nome do turismo e do progresso, e encontrar ainda o belo e o inesperado à esquina de um poema.
e assim foi. ajudou-me a reconciliar com a cidade e voltar a vê-la e senti-la debaixo do ruído das demasiadas pessoas que entupiam as ruas.
o primeiro poema-ilustrado é precisamente o “Algarve”:
Algarve
1.
A luz mais que pura
Sobre a terra seca
2.
Eu quero o canto do ar a anémona a medusa
O recorte das pedras sobre o mar
3.
Um homem sobe o monte desenhando
A tarde transparente das aranhas
4.
A luz mais que pura
Quebra a sua lança
.
Sophia de Mello Breyner Anderson
Livro Sexto, 1962